Imagem da internet

Letras na Sopa

Eis que! Cá estamos eu, eu mesmo e outros eus, não bem aqui, mas assim de lado, de refúgio ou refluxo de ideias, por graça e força de muitos uns e zeros, na aparente essência de letras, acentos, pontuações e espaços num ensopado virtual.

Chego sem pedir licença nem permissão, apenas por ocasião de. E vou tentando navegar o rio de sons e imagens que corre dentro de mim, fluindo por entre tempos, brechas, sustos e sopros, numa espiral rumo a uma galáxia distante cujo centro está no meio do peito.

Obscuro? Não, apenas um arroubo poético, quase patético, para afinar o tom. Quem quiser ler, quiçá. Qui sait? Não prometo assiduidade, simpatia ou samba-no-pé. Apenas expressão de desejos literários: ler, ter, vários. A quem abrir esta página, um pedido: se gostar, comente e recomende; se não gostar, poetize.


Vicente Saldanha

terça-feira, 16 de março de 2010

o canalha

Sou querido – mas não presto.
Seu preferido – mas não presto.
Minhas relações não recomendo.
Meus irmãos são malandros;
meus amores – rancores;
meus amigos, um perigo!
Fuja deles! Finja desconhecê-los.
Sou fingido – e não presto.

De fora sou formoso,
de longe sou gentil,
no ocaso, caridoso,
à pouca luz, o par perfeito;
sou perfumado, bem arrumado,
mas preste atenção – pois eu não presto.

De perto sou perfídia,
meu sorriso é malicioso,
minhas atenções – más intenções.

Ao meio-dia não me encontram,
meu telefone não existe,
não lembram meu sobrenome,
meu endereço não confere,
meus dados não têm data.
Saia de perto – pois eu não presto.

Minhas drogas lícitas têm explícito defeito
(as outras são segredo):
meu cigarro dá pigarro,
a fumaça te ameaça,
meu uísque, de tão falso, está vencido.
Eles não prestam – porque eu não presto.

Não confie em mim,
não me conte segredos, confidências,
não me empreste dinheiro – pois devolver esqueço.
Cartas de bons antecedentes, referências, recomendações?
Rasgue rápido: são falsificações.
Pouco atestam – porque eu não presto.

Não fale comigo, me processe!
Não me toque – não se contamine.
Não olhe nos meus olhos, pois eles seduzem, abduzem, confundem.
Não me dê ouvidos, não seja iludido.
Não me dê voz, nem voto
de confiança ou felicidade.
Me dê cobrança, inquérito, cadeia!
pesadas correntes, algemas, mordaças.
Não chegue perto – pois eu não presto.

Minhas palavras, ideias, opiniões
são sonoras, são charmosas,
mas vazias, repetidas – são chavões.
Meus gestos são calculados,
minhas lágrimas são dosadas
para dar crédito ao meu teatro.
Meu beijo é venenoso.
Por isso fique longe, fique esperto,
porque no fundo, ao fim de tudo – eu não presto.

sábado, 13 de março de 2010

Vaga-lume

                         I

Sou um vaga-lume na Via Láctea,
vagalumeio entre a poeira das estrelas
em busca de luz.
Os signos sinalizam meu caminho
no zodíaco que há dentro de mim;
Áries e Eros me lançam ao mar de Peixes,
mas a sombra de Plutão não me deixa ver
com clareza o mapa impreciso,
cheio de cálculos complexos, sem nexo ou respostas
às minhas perguntas mal-formuladas.
Vaga lembrança de questões:
de onde venho, para onde vou,
onde o tempo, em que lugar estou?

Enquanto vagueio na Viagem,
me guio, ao longe, por miragens.
Me aqueço em sóis de adoradores,
orbito planetas de opinadores,
salto em luas de alucinados.


                         II

Sou uma constelação de vaga-lumes,
meus átomos são galáxias;
minhas moléculas, sistemas estelares.
E o lume que brilha em mim
não é a vaga luz refletida das luas,
mas o fogo brilhante das estrelas
que ilumina meu céu sem regras
nem previsões.

E sigo a viagem por minha via láctea;
não mais vagueio pelos mapas:
procuro usufruir o caminho,
já não me inquieta o destino.

Paródia de “Vaga-lume”

Sou um vira-latas da Via Láctea,
corro atrás de caudas de cometas,
reviro asteróides rodopiantes,
me abrigo em buracos negros,
me escondo no lado escuro de luas cheias.

Abano o rabo para as estrelas,
uivo para luas novas
e mijo em planetas para marcar terreno.
Coço minhas pulgas estelares,
e as espalho em constelações,
farejo nebulosas e fujo de supernovas.

Cão sem dono e sem estirpe,
não orbito planeta algum:
me aqueço ao sol da meia-noite
e rolo na poeira das estrelas.
Rosno para nebulosas previsões,
pois perdi meu signo numa estrela cadente
atrás de Cão Menor.

Solto gases estelares
em flatos atômicos.
Meus átomos são isótopos;
meu olhar, raios X.

Farejo meu caminho
enquanto viro latas.
Espanto a Noite com meu latido,
vagueio sem mapas:
aqui e agora, meu destino.

sexta-feira, 12 de março de 2010

O balão

Um balão cruza o céu, sozinho, voa solo, levado pelo vento,
dança sob o fundo de nuvens,
se esconde atrás das copas das árvores,
aparece, desaparece, aparece novamente
e some em sua viagem rumo ao nada.

O balão não sabe que existe,
Mas se soubesse estaria contente em poder voar,
Vendo as formas e cores abaixo,
Árvores prateadas, cachorros dourados, telhados verdes, famílias azuis, ciclistas verdes, namorados vermelhos, automóveis lilazes, postes cor-de-rosa
– e alguma pomba pousada na cabeça de um general.
O balão se sentiria livre na leveza do seu voo,
No frescor do vento inconstante.
Sentiria falta de seu bando? (balões coloridos, mudos, porém solidários no suporte)
Sentiria falta da mão da criança faceira e falante, contente com seu balão – e o deixara escapar?
Ou da garota que o ganhara de presente do namorado, tímida e romântica e, distraída, o deixara soltar?
A criança e a garota sentiriam falta de seu presente voador
e o vendedor de balões, caso o balão se tivesse desprendido, também sentiria sua falta, prejuízo de gás e balão.

Mas o balão voa
e não sabe para onde voa,
flutua por entre prédios e postes e árvores
num balé claudicante.
E assim seguirá, levado pela brisa,
até seu fim por bico ou ponta ou pressão.
Então será borracha colorida caída sobre galho ou fio de luz,
ou talvez, por milagre, caia na calçada ao lado da criança que antes o teve, agora entretida com um algodão-doce.
A criança gritará meu balão!
mas ele já não poderá responder
com sua cor e sua dança.
Não mais balão,
um emaranhado inerte e sujo de látex e barbante.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Re-ditados

Homem que é homem não chora
lágrimas de crocodilo.

Matei dois coelhos com uma cajadada.
Aí vieram outros cinquenta, todos seus filhotes, e arruinaram minha plantação de cenouras.

Mais vale um pássaro na mão
que dois na gaiola;
Mais vale uma raposa na mão
que duas numa estola;
Mais vale um jacaré na mão
que dois em bolsa de madame;
Mais vale um elefante na mão
que dois num teclado de piano.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Haicais da metamorfose

casulo na calçada –
mendigo enrolado
em coberta de lã.

casulo brilhando:
sereno refletindo
as estrelas geladas.

borboleta parda
pousada sobre o corpo
no frio da manhã.